terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Tribal Fusion- O que é essa Dança?


Sempre me perguntam o nome da outra Modalidade de Dança que estudo. Respondo: tribal fusion!. Das duas, uma: ou a pessoa não conhece – e admite – ou não conhece, mas quer ser engraçado, e retruca: que é isso, dança afro?, fazendo uns movimentos bizarros que ele pretenda pertencerem a esse estilo de dança????
Para aqueles que querem mesmo saber o que é, tento explicar brevemente – pois o tribal fusion tem raízes profundas e o assunto pode ir bem longe.

Uma Dança Multicultural e de Ancestralidade

A dança tribal desde sua formação viu-se diante da evidência de sua mesclagem. É uma modalidade de dança que, tendo como base a dança do ventre, funde arquétipos, conceitos e movimentos de danças étnicas das mais variadas regiões, como o Flamenco, a Dança Indiana e danças folclóricas de diversas partes do Oriente, desde as tradicionais manifestações folclóricas já bem conhecidas pelas bailarinas de dança do ventre às danças tribais da África Central, chegando até mesmo às longínquas tradições das populações islâmicas do Tajiquistão. É relativamente recente no mundo da dança, mas bebe na fonte de diversas culturas antigas e mistura tudo numa alquimia de tom contemporâneo.

Para compreender melhor esse tipo de mistura, pode ser útil começar descrevendo, distinguindo e discutindo as categorias da dança tribal, os mecanismos de influência cultural e os fenômenos de hibridismo e mestiçagem.

Uma forte característica desta dança é a coletividade. As bailarinas, como numa tribo, celebram a vida e a dança em grupo. Outra característica forte no Estilo Tribal é a improvisação coordenada. Esta improvisação parece uma brincadeira de “siga o líder” e baseia-se numa série de códigos e sinais corporais que as bailarinas aprendem e indicam qual será o próximo movimento a realizar, quando haverá transições, trocas de liderança e etc.

A Dança Tribal recria o que poderia ter acontecido, mas havia diferentes tribos, principalmente nômades, e não há qualquer documentação (não há fotografias ou pinturas, nem mesmo escritos) com o que realmente existiu. Provavelmente as mulheres de muitas destas tribos foram contaminadas por outras culturas que entraram em contato com elas durante as suas viagens nômades. Pode ser parte turca, parte cigana, parte tunisiana, parte marroquina, parte egípcia, parte argelina, ou tudo aquilo que a inspira.  

Surgiu nos EUA, nos anos 70, quando a bailarina Jamila Salimpour, ao fazer uma viagem ao Oriente, se encantou com os costumes dos povos tribais. De volta à América, Jamila se apropria das informações e resolve mesclar as diversas manifestações culturais que havia conhecido em sua viagem, realizando uma espécie de tradução cultural. Com sua trupe Bal Anat, passou a desenvolver coreografias que utilizavam acessórios das danças folclóricas e passos característicos da dança oriental, baseando-se em lendas tradicionais do Oriente para criar uma espécie de dança-teatro, acrescentando a isso um figurino inspirado no vestuário típico das mulheres orientais.

Nos anos 80, novos grupos já haviam se espalhado pelos EUA. Masha Archer, discípula de Jamila, ensina a Carolena Nericcio a técnica criada por Jamila para obter um melhor desempenho de suas bailarinas. Carolena fomentou uma fusão de estilos de danças folclóricas do Médio Oriente e Norte da África, utilizando as danças de tradições etnográficas.

Tomando o que ela própria tinha aprendido a partir de dançarinos nativos do Marrocos, Argélia, Turquia, Egito, Síria e Líbano que estavam dançando nos Estados Unidos, começou a catalogar os "movimentos de dança do ventre", criando um repertório de terminologias básicas. Incentivada pelas diferenciações do novo estilo, Carolena forma seu próprio grupo Fat Chance Belly Dance e desenvolve o ATS (American Tribal Style – Estilo Tribal Americano).

Nos anos 90, passou a demonstrar com mais força a presença da Dança Indiana, do Flamenco e mesmo das técnicas de Dança Moderna e do Jazz Dance, nascendo então o Neo Tribal. O estilo tribal hoje representa a fusão de antigas técnicas de dança do norte da Índia, do Oriente Médio e da África, explorando as danças étnicas tradicionais como Bhangra, Bharata Natyam e Flamenco, e danças como o moderno, jazz, dança-teatro, breakdance e a dança do ventre.

A idéia de fusão pode ser vista como um processo de tradução cultural seguido da assimilação de informações que são semelhantes entre as danças envolvidas. A tradução das danças para as formas familiares é acompanhada de um conjunto de dispositivos de imitação. Encontram-se nas diferenças as grandes semelhanças de movimentos ricos em significados e símbolos próprios trazidos a dança através das mesclas.

Novos elementos folclórico-culturais e novas influências são acolhidos pelo estilo Tribal Fusion Bellydance (categoria mais recente da dança tribal). Uma dança que representa a atualização estética da fusão contemporânea entre o moderno e o ancestral.

Ritmos fortes e bem marcados, com muita percussão, solos de derbak, daffs, sons “Ghawazee” (as Ciganas Árabes) e a fusão entre diversos estilos musicais, por vezes com um toque ocidental, dominam o padrão musical que acompanha esta dança. A utilização de djembes nas seleções musicais bem como a adição de shimmies africanos faz parte de toda a mistura. Percebe-se que a dança tribal carrega em sua história processos de encontro, contato, interação e troca por meio da introdução de novos elementos à sua composição.

É notável a predominância de elementos de dança do ventre em relação às outras danças que compõem a dança tribal. Surge então uma pergunta: Por que praticamente 70% da dança tribal é           constituída por movimentações compostas de princípios de dança do ventre? Fenômenos de adaptação e apropriação, expostos por Peter Burke no livro “Hibridismo Cultural” publicado em 2003, pode ajudar a compreender esse tipo de questão.

Considerando a capacidade de relação de algumas tradições culturais, Burke entende que existem tradições abertas e outras mais fechadas à introdução de informações, identificando a presença de níveis de força na assimilação de elementos. Pode ser esclarecedor distinguir entre culturas com tradições fracas ou fortes de apropriação ou adaptação (tradições de modificações de tradições). A cultura hindu, por exemplo, tem uma propensão maior para incorporar elementos estrangeiros do que o islã. (BURKE, 2006, p.68).

Através da análise das novas modalidades de dança criadas sobre a influência da dança do ventre como, por exemplo, o Zambra (Dança do ventre e Dança Cigana), é que se pode observar a intensidade da força das tradições árabes ao se adaptarem a diversos elementos de diversas culturas. Desse modo, a consciência das forças centrífugas como também das forças centrípetas de influência demonstram quando uma tendência predomina em relação à outra e vice-versa.

Com o entendimento da possibilidade de “empréstimos” e “adoções” de signos, o processo de adaptação pode ser considerado como um movimento duplo de descontextualização e recontextualização, retirando um item de seu local original e modificando-o de forma que se adapte em seu novo ambiente.

Os movimentos são ondulatórios, sinuosidades que destacam o corpo da mulher, em especial a região do ventre, como camelos, oitos e redondos. Também são comuns cambrês diversos, bem como braços e mãos milimetricamente trabalhados. A perfeita dissociação corporal aliás, é outra característica desta dança que explora pelve, abdômen, peitoral, braços, mãos e cabeças totalmente independentes, com paradinhas entre cada músculo nas versões mais modernas do tribal. Para isso, é necessário muito treino físico e mental.

Embalando toda essa tradição misturada a uma contemporaneidade está uma música com ritmos muito fortes e, por isso, com percussões e solos de derbake. Há desde melodias que lembram músicas folclóricas africanas, ciganas e até mesmo hip hop e remix.

Um vídeo abaixo para Você curtir um pouco de Tribal Fusion!

  


Referências

BURKE, Peter. Hibridismo Cultural. (L. S. Mendes, Trad.) Unisinos, 2006.

DAWKINS, Richard. O rio que saía do Éden. (T. Alexandre, Trad.). Editora Rocco, 1996.

FARIAS, Kilma. (2007). “ConFUSÃO Harmônica”. Disponível em <http://people.tribe.net/kilmafarias/blog/d5d83dff-f9c0-46ff-b02a-83051986a4b6

GRUZINSKI, Serge. O Pensamento Mestiço. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

JÚNIOR, Benjamin Abdala & MOTA, Lourenço Dantas. Fronteiras múltiplas e identidades plurais: um ensaio sobre mestiçagem e hibridismo cultural. Editora Senac, Sao Paulo, 2002.

PHOENIX, Holly. (2008) “History of Tribal Fusion Belly Dance”.Disponível em <http://phoenixbellydance.net/id2.htm

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