segunda-feira, 14 de julho de 2014

Nós somos o que pensamos?


Aprenda a identificar as armadilhas da mente e veja como, a partir daí, o cérebro joga a nosso favor. A neurociência e a psicologia apoiam.


A bancária Luisa acordou se sentindo diferente. Tentou perceber o que era, mas não encontrou o motivo. Não sentia nenhuma dor, nada de especial tinha acontecido e todos da família estavam bem. Lembrou-se de um relatório importante que precisava finalizar antes do almoço, mas isso, de fato, não a preocupava. O dia transcorreu normalmente, o documento foi entregue no prazo previsto, o chefe apontou algumas modificações que deveriam ser feitas e nada mais. Voltou para casa à noite com a mesma sensação de quando acordou. Refletiu mais um pouco e teve um insight do que estava lhe causando estranheza: era o silêncio, uma bem-vinda ausência de inquietação mental. “Nos últimos tempos, os meus pensamentos estavam me enlouquecendo. Não parava de passar pela minha cabeça uma série de imagens ruins, do tipo: você é incompetente para realizar esta tarefa, não é inteligente e nenhum dos seus colegas de trabalho gosta de você”, relembra ela. Apelar para a voz da razão foi o meio de interromper essa torrente negativa. Como acender a luz de um quarto escuro ajuda a perceber as coisas exatamente como elas são, não mais escondidas por trás de uma cortina de crenças, Luisa passou a observar seus pensamentos com mais lucidez. “Comecei a duvidar de cada um deles. Para os que me diziam que eu era incapaz de fazer um bom trabalho, eu rebatia: se realmente sou incapaz, por que o meu chefe não me manda embora? Eu já fiz trabalhos que foram muito elogiados e outros que não ficaram tão bons, então, qual é, na verdade, o problema? Sou comprometida com o que faço; estou sempre aprendendo com os erros.” O exercício assertivo veio das sessões de Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), que se utiliza justamente da análise dos pensamentos para mudar comportamentos e minimizar o desgaste e o sofrimento causado pela visão turva das coisas. Outra proposta da terapia é a meditação; ou simplesmente prestar atenção na respiração por alguns minutos. “Essa última é uma ótima carta na manga para quando se está no trabalho ou em qualquer outro lugar que não permita uma meditação mais silenciosa. Uma ‘paradinha para respirar’ põe freio nesses pensamentos e quebra a força deles”, explica a terapeuta cognitiva Céres Duarte, de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Para a terapeuta cognitivo-comportamental Isabel Weiss, de Juiz de Fora, em Minas Gerais, é importante ver esse tipo de pensamento como ele realmente é. “Pensamentos são só pensamentos, espécies de hipóteses. Começar a olhá-los dessa forma já traz um grande alívio”, afirma. “Depois, distancie-se ainda mais deles, questionando-os e criando saídas alternativas”, aconselha. Essa estratégia coloca o pensamento sob nova perspectiva, de forma realística e consciente, atribuindo-lhe um novo peso, valor e credibilidade. “Muito se fala em pensar positivo para ser feliz, mas isso não necessariamente abranda a inquietação. Ao contrário, pode trazer mais angústia se a pessoa tiver dificuldade de mudar a chavinha do negativo para o positivo”, explica Céres. Segundo Luisa (nome fictício para preservar a privacidade da personagem), o que ocorre é uma substituição de pensamentos. “E não é algo difícil de ser feito. Depois de dois meses de treino, eu comecei a perceber as mudanças e, conforme ia sentindo a paz decorrente de uma mente mais tranquila, me animava a continuar a praticar o exercício.” Um adendo: nos momentos em que a mente está muito acelerada, priorizar determinados alimentos é uma medida simples e que vale muito a pena. “O mel e a banana, por exemplo, têm ação calmante e merecem entrar no cardápio. Já o chocolate, o café e o chá preto, que são estimulantes, podem tirar umas férias”, explica a nutricionista Lucyanna Kalluf, de São Paulo.

Nada de ideia fixa, o cérebro é flexível

Sempre que aprendemos coisas novas, o que inclui mudar a forma de pensar, o sistema cerebral retribui bem. No livro O Cérebro de Buda (editora Alaúde) – escrito com base nas recentes descobertas da neurociência e no impacto das práticas budistas para a saúde mental –, os autores norte- -americanos Rick Hanson, neuropsicólogo, e Richard Mendius, neurologista, provam que ninguém está fadado a passar o resto da vida sendo consumido por ideias que só causam baixo-astral. “Os circuitos neurais, responsáveis por transmitir informações, começam a se formar antes do nascimento, e o cérebro continuará aprendendo coisas novas e se transformando até o último dia de nossas vidas”, asseguram. Embora essa máquina perfeita tenha uma tendência a gravar e recordar mais acontecimentos ruins do que bons, é possível reverter esse modus operandi. Sim, o sistema neuronal opera mais no estilo recuar do que seguir em frente porque as experiências negativas tiveram grande impacto na nossa sobrevivência. “Imagine nossos ancestrais fugindo dos dinossauros há 70 milhões de anos. Eles precisavam manter o estado de alerta o tempo todo. Aqueles que sobreviveram e deram origem a outras gerações atribuíam muito mais importância às experiências negativas”, escrevem. A obra revela ainda que uma das melhores formas de fazer com que o cérebro passe a ter mais inclinações positivas do que negativas é interiorizar boas lembranças, sentimentos e emoções. “Isso força a construção de outras estruturas neurais e produz mudanças no modo como pensamos, sentimos e agimos. E é um incentivo tão vital que deve começar cedo, ainda na infância.”

No curso de meditação raja yoga da Brahma Kumaris, organização internacional com foco humanitário e espiritual, os alunos aprendem, entre outras coisas, como os pensamentos são gerados e processados. E, a partir daí, são incentivados a um exercício: encontrar diariamente no subconsciente, onde ficam armazenadas nossas memórias, crenças, valores e hábitos com algum registro positivo. “Você pode se sentir insegura ao iniciar um namoro, tornando-se ciumenta porque já tem no currículo um namorado que a traiu. Evite levar essa lembrança negativa para o novo relacionamento; opte por pensar naquele homem que a respeitou, no relacionamento que fez você feliz”, ensina Ivana Samagaia, instrutora do curso. Para os autores de O Cérebro de Buda, fazer a opção de cultivar as vivências positivas não tem nada a ver com fugir dos problemas ou querer eliminar as experiências desastrosas: “Quando elas acontecem, acontecem. Mas assimilar as coisas boas é uma forma de garantir paz interior”, enfatizam. Ok, normalmente, a maioria das pessoas morre de medo dos pensamentos negativos e fica correndo deles como se fossem monstros. O problema é que quanto mais você corre deles, mais o seu foco de atenção vai estar na preocupação de se defender.

Use a imaginação a seu favor, e não contra

“De repente, se você parar e olhar para trás com coragem, poderá ver que esse bicho-papão não é tão grande assim. Talvez seja só um gatinho”, explica o psicólogo Zheca Catão, de São Paulo. Além disso, encarar a fera tem sua vantagem. “Pensamentos repetitivos ou negativos não devem ser desprezados porque sempre querem nos dizer algo, são apenas a ponta do iceberg”, pondera o especialista. “Daí a importância da busca pelo autoconhecimento. A partir do momento que fica mais claro o motivo de você funcionar de um determinado jeito, você pode começar a tomar medidas práticas, objetivas”, diz. Em outras palavras, é o mesmo que tomar as rédeas da sua vida nas mãos e não deixá-las soltas por aí. Lembram da Luisa? Durante as sessões de terapia, ela descobriu que uma das principais causas da sua falta de autoconfiança estava relacionada ao momento em que ela precisou deixar a casa dos pais para estudar e morar numa outra cidade. “Minha mãe era, até aquele momento da minha vida, quando eu tinha 21 anos, a grande conselheira na lida dos obstáculos que surgiam. Quando eu me vi longe dela, senti medo de não saber resolver os problemas”, conta ela, hoje com 28 anos. “Com o tratamento, percebi que não precisava temer os desafios. Morava sozinha, pagava minhas contas e cuidava muito bem da minha rotina. Enfim, dava conta”, diz. Fazer esse balanço é um treino contínuo pois os pensamentos nunca cessam. Surgem ideias e ou fantasias o tempo todo. “Na verdade, os pensamentos refletem o que nós somos e o que nós somos é resultado das experiências, crenças, da educação que recebemos, do meio onde vivemos, da nossa genética e dos traços inerentes da nossa personalidade”, afirma o psiquiatra e neurocientista Rogério Panizzutti, do Rio de Janeiro. A forma como vamos nos autoavaliar, avaliar os outros, o futuro e os acontecimentos é resultado disso tudo. “Um adulto que recebeu na infância uma mensagem velada dos seus pais de que ele não é inteligente provavelmente terá de lidar com isso repetidamente. Quando for se preparar para um vestibular, um concurso, ao disputar uma vaga de emprego”, exemplifica o psiquiatra. De acordo com a terapeuta cognitivo-comportamental Edna Vietta, de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, a forma como cada um de nós interpreta as suas experiências de vida e, principalmente, como aprendemos a lidar com as adversidades também contribui para o saldo positivo ou negativo dos pensamentos. Ela dá como exemplo uma mesma experiência vivida por duas pessoas: “Um colega passa por duas mulheres e vira o rosto. Uma delas pode pensar: ‘Devo ter feito algo de ruim para ele’. E a outra pode concluir: ‘Ele deve estar num mau dia ou não me viu’”.

Olhar para dentro traz paz e equilíbrio Zheca Catão lembra que nos momentos de fragilidade, como luto, rompimentos e períodos de estresse, é natural ter a sensação de solidão, baixa autoestima, desconexão com o mundo. Também é da natureza humana ter desconfianças. Se você consegue reavaliar essas sensações, não há problema algum. Mas quando se tornam muito frequentes e a fantasia chega ao ponto de passar a acreditar que tudo que fizer vai dar errado é hora de procurar a ajuda de um profissional. Para Ken O´Donnell, diretor da Brahma Kumaris no Brasil, o autoconhecimento deve ser visto como um encontro com o que realmente somos. “Temos todas as qualidades que Deus tem, pois somos Seu filho, uma centelha divina. O amor, a verdade, a pureza, a paz, a felicidade, o equilíbrio, a bondade, tudo está dentro de nós. O problema é que nos envolvemos nas questões do dia a dia e nos esquecemos de olhar para dentro e acessar essas qualidades”, pondera Ken. Práticas como a meditação diária, ao lembrar desse ser mais puro, criam uma força interior que não dá possibilidade aos pensamentos negativos de se multiplicarem. Rick Hanson diz algo parecido em sua obra: “Todos que mergulharam a fundo na mente dizem essencialmente a mesma coisa: nossa natureza fundamental é pura, consciente, pacífica, radiante, terna e sábia. Embora muitas vezes seja ocultada pelo estresse, raiva e frustrações, ela está sempre ali. Revelar essa pureza intrínseca e cultivar qualidades salutares reflete mudanças no cérebro”. A neurociência e a espiritualidade podem divergir em várias questões, mas quando se fala em processar pensamentos, as certezas estão próximas.



Pare e reflita
Em um diário, escreva os momentos de maior vulnerabilidade e crie soluções alternativas para todo pensamento ruim. Veja como fazer.
Registre a situação: o que aconteceu, onde estava, o que fazia naquele instante e quem estava envolvido. Por exemplo: numa reunião de trabalho, você tem vontade de opinar sobre o assunto que está sendo debatido, mas um pensamento lhe diz que todos vão rir quando expressar o que pensa.
Quais são os pensamentos automáticos que vieram daquela situação: liste todos e sublinhe o pensamento mais importante ou aquele que mais lhe incomodou. Dê uma nota de 0 a 100 para quanto você acredita em cada um daqueles pensamentos.
Quais emoções sentiu? Anote cada emoção e quais foram as reações que você teve. Dê uma nota de 0 a 100 para a intensidade de cada sentimento.
Crie uma resposta adaptativa: questione-se sobre as evidências de que o pensamento automático é verdadeiro. Refita sobre em que você está se baseando para ter esse pensamento. Ele é útil ou não ajuda em nada? Se for baseado na realidade e tiver evidências que o comprovem, pergunte-se: quais são as implicações desse pensamento ser verdadeiro? Quais alternativas eu tenho para resolver esse problema? Por fim, avalie quanto acredita em cada resposta alternativa.
Resultado: compare as notas e avalie quanto acredita em seus pensamentos automáticos, na intensidade das suas emoções e na sua capacidade de criar uma nova forma de pensar. Fonte: A Mente Vencendo o Humor (editora Artmed).


De olho na Dieta
Numa fase de mente muito acelerada, a alimentação pode ser uma forte aliada.
Evite os alimentos que aceleram a mente.
Estimulantes: café e chocolate.
Retêm líquido: embutidos, processados, sal e carne vermelha em excesso. Carboidratos simples: açúcares e farinhas.
Prefira os alimentos que liberam substâncias com ações calmantes no cérebro: banana, mel, abacate, salmão, sardinha, atum, lentilha, óleo de linhaça, tofu, nozes, ovos e frutas vermelhas. Fonte: nutricionista Lucyanna Kalluf.


Crie registros positivos
O livro O Cérebro de Buda ensina a praticar a interiorização do que é bom. Pegue carona neste roteiro.
Transforme fatos positivos em experiências positivas: pequenas coisas boas do dia a dia acontecem o tempo todo, só que nós não damos atenção a elas. Traga à consciência plena a gentileza que alguém fez, uma qualidade admirável em você, a lembrança de uma viagem divertida, uma decisão acertada no trabalho. Deixe-se influenciar por essas sensações. É como estar num banquete: não fique apenas olhando – desfrute!
Curta a experiência: faça com que dure até 20 segundos, não desvie a atenção para outra coisa. Concentre-se nas emoções e sensações corporais, deixe a experiência tomar conta de você, prolongue essa sensação maravilhosa. Dê atenção especial ao lado gratificante do que viveu. Intensifique essa experiência pensando nos desabafos que você teve que superar.
Imagine ou sinta: que a experiência está penetrando de modo profundo na mente e no corpo, como o calor do sol em uma camiseta ou a água em uma esponja. Relaxe o corpo e absorva as emoções, as sensações e os pensamentos proporcionados por essa vivência.

Para a criança
“Estimule-a a parar por um instante no fim do dia para lembrar o que ocorreu de bom e refletir sobre o que a faz feliz, como brincar com um animal de estimação e receber o amor dos pais. E, então, a deixar que as emoções e os pensamentos bons penetrem em todo o corpo” (O Cérebro de Buda).